Espiritualidade para preguiçosos

O filósofo Luiz Felipe Pondé, em suas recentes obras, fala muito da espiritualidade para corajosos e aquela para os idiotas. Aproveito a carona para falar de uma nova categoria: os espiritualistas preguiçosos.

Eles não fazem parte de uma religião específica, tampouco têm nacionalidade, gênero ou idade definidos. O fato curioso é que a maior parte deles entre se encontra entre os mais jovens, conhecidos como millenials.

Espiritualidade é, pela própria origem da palavra,  a conexão com o Sagrado. Trata-se de um fenômeno que conecta o indivíduo a sua essência, ao seu espírito. As religiões, as artes e a filosofia cumpriram por muitos anos a função de serem caminhos para trabalhar tal conexão.

A partir dos anos 1960, por conta, inclusive, da chegada da era de Aquário que se aproxima, surgiram outras ferramentas que puderam (re)aproximar muita gente, insatisfeita com as práticas tradicionais, da espiritualidade. Práticas que tinham como base, inclusive, tradições muito antigas, milenares, como o Xamanismo, o Hinduísmo e o Zoroatrismo.

Uma série de comunidades e manifestações artísticas e culturais quebraram a hegemonia das religiões e filosofias ocidentais oferecendo essas novas opções.

Já a partir dos anos 2000, inclusive com o advento da tecnologia, surgiu um novo fenômeno: a era do vazio (discutida amplamente por Gilles Lipovestky) combinada com um fenômeno que Bauman chamou de modernidade líquida.

As novas gerações, emponderadas com o domínio da tecnologia e acesso irrestrito a todo e qualquer tipo de conhecimento, tornaram-se entediadas, pouco confortáveis com decepções e limites, e é claro, acostumadas com a facilidade de descartar e substituir rapidamente roupas, aparelhos eletrônicos e… relacionamentos.

Como todo mercado tem oferta a partir de demanda, criou-se um comércio que oferece soluções espirituais rápidas e individuais, repletas de nomes incríveis e revestidos de uma aura de neon. Rituais instantâneos, cursos de oráculos em um final de semana, podcasts, blogs e livros que ensinam magia e até mediunidade.

Já as religiões e escolas filosóficas iniciáticas perderam seu valor. Não são mais atraentes porque não oferecem fama, sucesso e enriquecimento rápido.

Espiritualistas começaram a divulgar que o coletivo não tem valor e o individualismo reina soberano. Tudo virou quântico, da física ao estrogonofe, e canalizações de extraterrestres são mais fáceis que a comunicação, via whatsapp, entre fiéis.

E é, claro, o sofrimento, a doença, as dificuldades podem ser curadas somente com a fé, expressa em rituais ensinados no YouTube, compra de vassouras mágicas, pagamento de dízimo e repetição sistemática do mantra “Eu posso”.

O resultado é essa multidão de desiludidos. De evangélicos que não param em um ministério a católicos que nunca aparecem numa missa, passando por umbandistas, pouco afeitos a disciplina e ao trabalho,  que pulam de terreiro em terreiro e budistas que acendem, antes do mantra, um incenso com um cigarro de maconha.

Ninguém aqui é contra as novas tecnologias, a libertação de dogmas e o pensamento positivo. Até porque é melhor acreditar na liberdade, no seu potencial e no bem que o contrário. Muito menos condenamos o pagamento de dízimo, prática ancestral que existe no judaísmo e algumas religiões cristãs. Nem negamos que o grande responsável pela sua transformação seja você mesmo(a).

O que queremos mostrar é que a espiritualidade exige paciência, tempo para adquirir sabedoria, e muito sacrifício. Não mais aquele do passado em que pessoas se açoitavam, ajoelhavam no milho, rezavam milhares de terços ou se humilhavam diante de pais de santos. O sacrifício é um trabalho árduo e disciplinado de renovação interior, de combate às ilusões (que criam decepções e ansiedade) e o aprendizado da medida exata da combinação fé/trabalho.

Não existe espiritualidade sozinho. Fácil você não ter de conviver com os outros. Muito mais tranquilo cultuar seu Deus trancafiado em um mosteiro, no seu quarto sozinho do que ter de conviver com as falhas dos outros. É fácil amar e louvar a Deus. Mas o próximo…

Espiritualidade exige esforço, estudo, trabalho e disciplina. Pode ser difícil, mas nem sempre o fácil é garantia de sucesso. Pense nisso.

Ricardo Hida, Akindémí

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